sábado, 25 de setembro de 2010

olhar condenado


um monte de livros, uma caneta de tinta permanente e um copo chocolate quente, duas mãos cheias de nada. passos na rua, debaixo do olhar atento de uma sociedade conservadora. comboios cheios, autocarros apelados, em cada um, segue uma história nova! pautas de música e jornais deixados onde ninguém os viu nascer, olhares atentos e sorrisos angustiados. malas pesadas, pastas recheadas, a trela do cão na mão, ao domingo à tarde, e na outra um telemóvel, mais um olhar cansado, desde o último avistado, uma gabardina bege e a felicidade a escapar-se por entre os dedos. lágrimas deixadas, abandonadas para quem as quiser, e um monte de trabalho no escritório por fazer. noites sem dormir, passeios de madrugada com as folhas a cair, ao mesmo tempo, que o próprio tempo percorre a rua. sem ninguém, consigo mesmo, para si mesmo. fazendo uma introspecção do que foi feito de si, o que tinha acontecido? um cartucho na mão e a felicidade raptada. desviando os olhos, por sentir saudade, desviando-se da certeza por saber que existia! sincronizado a tantas recordações, flashback’s perfeitos. um cigarro no canto da boca, maratonas do televisor e um trilho, sem ser preciso mapa. caminhos pouco definidos, um futuro incerto, lucidez condenada e mágoa entranhada. tanta coisa, tanta gente, tudo tão homogéneo e condensado numa só pessoa. os olhos fecham, as mãos unem-se, os jornais caiem e a gabardina deixa de fazer falta, na verdade nada o faz, enquanto é noite. um passado desleal e apenas um futuro, pouco promissor, diga-se! a lua põe-se, e avista-se mais uma noite nostálgica, um vinil no gira-discos, entoando pequenos nadas, acompanhando o ritmo de uma vida perdida, esquecida, isolada do mundo e de tudo o que lhe é inerente, tendo tudo o que, na verdade, não queria ter. o sol nasce, veste a gabardina, a pasta de executivo na mão, os livros debaixo do braço e volta tudo, volta tudo o que não devia ter voltado … até ao dia, sem noites nostálgicas, nem dias cansativos, sem nada. gabardinas penduradas num bengaleiro, uma casa vazia, um vinil riscado, a morte avistada.